Entrevista a Pedro Neto

Com as recentes notícias da inscrição de uma equipa do Portimonense Sporting Clube na Segunda Divisão do Campeonato Distrital, o Blog do Portimonense esteve à conversa com Pedro Neto, portimonense de gema e treinador desta equipa.

Nova temporada, novos desafios, e o Mister Pedro Neto, assim como os seus jovens jogadores, terão a responsabilidade de representar o Portimonense na sua primeira presença no Campeonato Distrital da AF Algarve.
Blog do Portimonense: O Mister Pedro Neto é nascido em Portimão. Desde o início do seu gosto pelo futebol, qual a sua relação com o Portimonense?
Pedro Neto: A minha relação com o clube é umbilical. A minha primeira memória do Portimonense, deveria ter cerca de 6 anos e ir ao estádio para a bancada com o meu padrinho. Depois disso o Portimonense surge ao longo do meu percurso de vida em diferentes fases. Primeiro, quando sou juvenil e me transfiro do Alvorense para o Portimonense, jogando 5 anos pelos escalões de formação do clube. Depois subo ao escalão sénior. Nesse momento regresso ao Alvorense e inicio os meus estudos universitários. Regresso em 2006, como treinador adjunto do Mister José Augusto, no escalão de juniores, até 2009. Em 2015 vou trabalhar como treinador adjunto do Mister José Augusto nos seniores. Até à época 2016/2017, cujas funções foram de treinador principal no escalão de juniores. Regresso novamente na época 2019/2020 como coordenador metodológico da formação, acumulando na parte final as funções de treinador principal de juniores, a qual continuo a exercer na presente época. O Portimonense, para além de um clube dimensão enorme e história riquíssima, tem sido ao longo do meu percurso uma casa.
BdP: Inicia a sua vida de treinador com apenas 22 anos, quando se torna treinador adjunto dos sub-15 do Ferreiras. Nestes 15 anos que passaram, como vê a progressão da valorização do treinador jovem?
PN: Eu iniciei a minha carreira como treinador no Futebol Clube de Ferreiras, como treinador-adjunto do Mister Arlindo Vicente, onde permaneci cerca de época e meia. Eu não entendo que deva existir valorização do treinador jovem em relação ao treinador com mais idade. Se um pode oferecer irreverência, novos métodos de trabalho, o outro oferece experiência e maturidade. Citando Bob Dylan, o treinador enquanto ser humano deve permanecer “sempre jovem”, no seu espirito, na sua atitude perante a aprendizagem constante e adaptação a contextos mutáveis. Tenho identificado essas características nos treinadores de sucesso e nas pessoas de referência na minha vida. Novas formas de criar um futuro, uma forma de jogar e entendimento do jogo. Acima de tudo acredito que, como em qualquer área de intervenção da nossa sociedade, as pessoas devem ser valorizadas pelo seu modo de estar e pela sua competência. O critério que mede essa competência, isso seria uma enorme conversa. Eu acredito que a carreira de treinador é muito exigente (como qualquer outra, na verdade) e deve ser sustentada no seu amadurecimento, na aquisição de competências e experiências. Porque, na minha opinião, mais importante do que saber fazer, é saber o que fazer.

Pedro Neto esteve em Inglaterra entre 2010 e 2015, ao serviço do Charlton Athletic, clube onde trabalhou com Joe Gomez, jogador que se vem destacando na defesa do Liverpool.
BdP: Entre 2010 e 2015 esteve ao serviço do Charlton, onde exerceu várias funções. Notou diferenças nas formas de absorver o jogo entre os jovens jogadores portugueses e ingleses?
PN: Eu entendo o desporto e o futebol como uma forma de arte que transforma, inspira e comove as pessoas. Partindo dessa premissa, para mim o futebol é um retrato da sociedade e do seu modo de estar. O jogo é o mesmo, com as mesmas regras, os mesmos objetivos. No entanto, a forma como nos comportamos está intimamente ligada com a cultura do povo. É impensável uma equipa em Inglaterra estar a “queimar” tempo de jogo de forma imoral, por exemplo, enquanto em Portugal, em muitos lugares, isso é ainda valorizado se nos levar a vitória. Embora uma vitória finita no que concerne ao estabelecimento de valores que queiramos passar aos nossos jogadores. Mas tenho que referir que ao longo do meu percurso trabalhei com jogadores como Vitor Gonçalves, Fábio Nunes, Carlos Henriques, Joe Gomez, Ezri Konsa, Ademola Lookman, para frisar apenas alguns. E todos tinham em comum, o profissionalismo, importância do treino e o cuidado. Conceito de superação, constante vontade de aprender e de aumentar a sua capacidade de rendimento. Todos esses jogadores tinham a mesma atitude. Importante frisar que estes jogadores não coexistiram no espaço nem no tempo. Portanto parece-me ser “apenas” uma característica intrínseca fundamental para se chegar ao topo. Há os atletas que querem, e há os jogadores que meio que querem.
BDP: É também durante a estadia em Inglaterra que os juniores do Portimonense vivem alguns dos melhores momentos da história do clube. Acompanhou de perto as boas campanhas dos nossos jovens?
PN: Claro que sim, especialmente porque tinha trabalhando com muitos desses atletas. Fiquei muito feliz pelo crescimento deles e pelas conquistas que obtiveram.
BDP: Acaba por se associar a José Augusto, sendo seu adjunto na época 2015/16, época onde apesar da quase subida, foi considerada uma época muito positiva. Como descreve este ano?
PN: Penso que a melhor pessoa para descrever essa época seria o Mister José Augusto, visto ser ele o líder desse projeto. No entanto, na minha visão dessa época, tenho plena convicção de que foi muito positiva. Não só pelo desempenho positivo e pela qualidade de jogo demonstrada, mas foi também uma época em que o Mister José Augusto conseguiu demonstrar que era possível ser competitivo em todas as frentes e não nos vermos como pequenos em competições como a Taça de Portugal e a Taça da Liga onde fizemos também excelentes companhas. Termos feito acreditar que era possível, agarrando aquilo que podíamos conquistar e não focando nas adversidades que tínhamos que ultrapassar, foi fundamental. Também é importante frisar que o crescimento do clube nessa altura com melhoramento do departamento médico, com médicos fisioterapeuta e nutricionista, deu-nos muita qualidade de trabalho. Viver aquela época com o clube da tua cidade natal, representando a tua região, foi fantástico. Aquilo que vives ninguém te pode tirar.

Em 2017/2018 teve a sua primeira experiência nacional fora do Algarve. Pedro Neto foi treinador adjunto de José Augusto no Sporting da Covilhã.
BdP: A sua associação com José Augusto levou-o a adjunto do Sporting da Covilhã. No clube da Serra, sentiu ter mais influência que tinha em Portimão?
PN: A minha “influência” junto do Mister José Augusto foi e será sempre a mesma. Temos um relação muito forte nesse sentido, em que ele nos (equipa técnica) dá espaço para exprimirmos a nossa opinião, mesmo que fraca. Isso por vezes pode ser duro, porque discutimos e descordamos, mas o facto de sentir que a nossa opinião é ouvida é muito importante. Dentro do campo sempre tive grande espaço de intervenção dentro daquilo que são as ideias que ele quer desenvolver. Também mencionar que no Sporting da Covilhã, apesar de termos ido só nós os dois, encontramos excelentes profissionais para trabalhar na nossa equipa técnica desde o Sérgio Carvalho, Luciano e Leandro Monteiro, o que facilitou imenso a nossa chegada e integração.
BdP: Acaba por retornar para tomar, mais uma vez, a equipa de Juniores. Falando no jogo jogado, aplicou um claro sistema de 4-4-2. É um gosto pessoal ou achou que era a melhor formação que se aplicava naquela equipa?
PN: A utilização do sistema GR + 4-4-2 foi uma decisão tomada de acordo com os seguintes pontos:
– Criar uma alternativa tática: grande parte dos escalões de formação jogaram sempre em GR+4-3-3.
– Disponibilidade de médios centros na altura em que tomei a equipa e as características que estavam disponíveis para competir.
A escolha do sistema para mim é o mais redutor. Procuro encontrar um equilíbrio entre a disposição tática dos jogadores em campo, que ganha vida através da procura e espaços de jogo. Na verdade o GR + 4-4-2 muitas vezes é um GR + 4-3-3, naquilo que são as dinâmicas da equipa com bola, essencialmente.
É um cliché o que vou dizer, no entanto o mais importante para mim é os jogadores entenderem os princípios de jogo que nós queremos para jogar. Porque, desse modo, conseguimos ter mais jogadores a tomar a decisão concordante para a jogada que se apresenta no momento. É como criar um mapa de caminhos dentro da cabeça dos jogadores, que na mesma fração espaço e tempo tomam a decisão acertada sobre qual o caminho que devemos seguir.
BdP: Ainda neste 4-4-2, notava-se a presença de alas muito abertos. Pode explicar o porquê de preferir uma posição mais fixa na ala ao invés de uma rotura para o meio?
PN: Esse posicionamento dos jogadores no jogo só ocorre em bola e mesmo nesse momento raramente deve acontecer os dois ao mesmo tempo. Foi uma ideia que tomei de um treinador alemão, quando estagiei no Union Berlin. A ideia principal é criar equilibro por trás pelos laterais. E depois ter os extremos/alas abertos para esticar a linha de 4 adversária. Acima de tudo, devemos saber onde temos dois jogadores para sair da pressão através de uma diagonal ou uma bola direta. Pessoalmente, não tenho problema em assumir que provocamos, em momentos, um jogo mais direto. O critério e a qualidade de execução é o mais importante.

Pedro Neto, enquanto Treinador-adjunto da equipa principal do Portimonense: 56 Jogos, 28 Vitórias, 19 Empates, 9 Derrotas, 82 Golos Marcados, 55 Golos Sofridos (Jogos oficiais).
BdP: Tocando na atualidade do Portimonense, com a mais recente notícia da inscrição de uma equipa para participar na II Divisão AF Algarve. Sente que os nossos jovens conseguem bater-se bem com competição a nível sénior?
PN: No ano passando já tínhamos realizado vários jogos (1 por semana) com equipas do campeonato Distrital do Algarve. Embora em contexto amigável, que tem características completamente diferentes. Sentimos que é um momento de crescimento muito grande para os nossos atletas. Acreditamos que esse espaço em contexto competitivo oficial ainda traga adversidades mais ricas para o crescimento dos nossos atletas. Certamente iremos ser muito competitivos e organizados nessa competição, isso é inegável. Irá trazer vantagens quando ingressarmos no Campeonato Nacional de Juniores.
BdP: Uma das grandes dúvidas dos portimonenses é se este projeto é temporário e o seu grande objetivo passa por dar competição aos nossos Juniores, ou se é um projeto com futuro e continuidade. Pode responder?
PN: Este projecto vinha sendo falado e discutido. Primeiro, pelas vantagens referidas na questão anterior. Posteriormente, também encontrar um espaço para os nossos atletas que sobem a sénior mas não integram ainda os nossos Sub-23. Como tal, procuramos oferecer um espaço competitivo onde ainda continuamos a trabalhar os nossos atletas, ajudá-los a crescer para almejar patamares superiores. Nós desejamos que este seja um projeto de futuro para continuar.
BdP: Uma das primeiras relações feitas foi à equipa de 2012, que contava com 13 jogadores algarvios. Sente que podemos voltar a ter um Portimonense assim?
PN: O futebol é uma industria global. Nós não podemos ambicionar exportar jogadores, treinadores. Eu próprio já trabalhei fora, e assumo que quero voltar a trabalhar em Inglaterra. Não devemos apoiar a exportação dos nossos agentes desportivos e depois estar contra os atletas e treinadores que ambicionam competir no nosso país. Parece-me pertinente defender a competência, os valores e avaliar o crescimento que esses agentes podem trazer para o nosso clube e comunidade. O ano 2012 teve as suas particularidades com as entradas desses 13 jogadores. Mas também é verdade que eles tinham qualidade. Portanto ninguém deu nada a ninguém. Eles tinham qualidade para estar àquele nível. Nem todos os anos nós formamos atletas com qualidade para ingressar nos sub-23.

Os Juniores do Portimonense, treinados por Pedro Neto, conseguiram, na época passada, a manutenção na Segunda Divisão de forma tranquila, ficando 12 pontos acima da linha de água.
BdP: Bons resultados de equipas de juniores anteriores, assim como a vitória em amigável frente ao GD Lagoa da I Divisão AF Algarve, abrem algumas expectativas dos adeptos em relação a este projeto. Em termos de tabela, o objetivo final pode passar pela conquista do Campeonato da II Divisão AF Algarve?
PN: O futebol, como a vida, tem uma particularidade: Não importa quão bom tu foste no passado, se não continuares a ter comportamentos assertivos que te deixem mais competente e mais próximo daquilo que é o teu objetivo, não o irás atingir. Os atletas, os treinadores e as equipas de futebol são produtos inacabados que devem evoluir constantemente. Os jogos amigáveis que temos feito têm uma particularidade que não salta a vista. Nós temos mais tempo de treino e mais atletas que as equipas contra quem jogámos. Isso permite-nos ser mais intensos durante o treino. Contudo, nós olhamos para o lado do tático do jogo. O que já fazemos bem? O que ainda não fazemos e temos potencial para fazer? O que procuramos fazer, mas não temos competência necessária para tal? Que ideias podemos já começar evoluir? Essas são as questões que fazemos e começámos agora a falar com os nossos atletas.
BdP: Não querendo revelar muito sobre o jogo da equipa, faz intenções de aplicar alguns processos dos Juniores da temporada passada ou priorizar os processos que estes jovens já trazem de jogarem juntos em escalões inferiores?
PN: Cada atleta, enquanto ser humano, traz uma bagagem consigo. Nós temos que entender e respeitar isso. Além disso, estes atletas têm sido treinados por excelentes equipas técnicas no nosso clube (mencionando apenas os treinadores principais Nuno Guedes, André Gomes, João Santos, Luis Filipe, Carlos Almeida e Nuno Pessanha). Nós temos a obrigação de aproveitar todo esse trabalho e potenciar as arestas que ainda faltam. Não temos a presunção de sermos os donos da melhor ideia. Também dizer que o clube criou e vai desenvolver um programa pedagógico a nível do treino para o ensino do jogo. Para que ocorra uma progressão de conteúdos e complexidade evolutiva, sustentada e progressiva, deste modo desafiando os nossos jogadores todos anos e mantendo-os motivados.
BdP: Uma última palavra aos adeptos do Portimonense.
PN: Enquanto Portimonense eu gostaria que todos nos uníssemos em volta da cidade e do clube. E da região. Tendo vivido vários anos fora. É quando somos privados deste magnífico lugar e das nossas gentes que percebemos o quão fantástica é a nossa cidade. Gostava que apoiássemos o clube como um só e nos visitassem no campo para nos apoiar e ajudar evoluir os nossos futuros atletas.
A equipa do Blog do Portimonense agradece ao Mister Pedro Neto pela disponibilidade para a realização desta entrevista e deseja todo o sucesso, tanto neste novo projeto, como em todos os aspetos da vida pessoal.